abril 22

Os Anjos de Tereza – Parte IX

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ENQUANTO HOUVER SOL

Quem leu “Café da Manhã com Daddy” vai ver claramente que meu texto, apesar de não chegar a ser um plágio, foi uma releitura do texto de César Millan. Porque meu Sol é meu Daddy boxer. Tudo que Daddy foi para César, Sol foi e é para mim, inclusive chegou a ser também meu braço direito me auxiliando em meu trabalho com grupos de psicoterapia.


É final de tarde, aquela hora em que os cães começam a ficar agitados, aquela hora que chamo de “hora da farra”, em que, quando todos eles eram vivos, gostavam de brincar de correr um atrás do outro. A temperatura é amena hoje, há passarinhos cantando em nossas árvores, os gatos também começam a me rodear, antecipando a hora da refeição. E como em todos os dias em mais de uma década, estou preparando a comida dos cães.

Meu Sol observa atento, como sempre, enquanto preparo a comida dos companheiros Chorão e Brisa, e enquanto misturo a comida especial para ele, com minhas próprias mãos: ração de baixas calorias com metade de um peito de frango desfiado.

Meu Sol, como tantos cães e pessoas idosos, tem tendência a engordar e toma quatro remédios diários para seu velho e enorme coração cansado. Mas come sua refeição com o mesmo apetite de sempre, seja ela regime ou não. Levo um bom tempo todos os finais de tarde preparando sua tigela, misturando bem o frango desfiado e às vezes fígados de frango, com a ração que não engorda, e vou dando a ele pequenos aperitivos de pedacinhos de peito cozido. É o único ritual que sobrou nas tardes, não há mais companheiros para brincar e correr junto, meu jovem casal de boxers, Chorão e Brisa, ficam numa parte separada do quintal. Procuro nunca apressar esse ritual de antecipação, misturo bem tudo com as mãos, vamos deixar essa comida gostosa, vamos deixa-la fácil de comer.

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Junho 2010 – meu Sol, minha vida, continuou lindo mesmo depois de velho

Sol hoje é um velho cão. Sua máscara negra quase sumiu, seu focinho está grisalho, quase branco. Há nevadas também no pelo das costas e da nuca. Suas unhas agora ficam mais compridas do que jamais estiveram, ele não mais corre o suficiente para gasta-las no chão. Ainda dá suas corridinhas, sempre que o estimulo a brincar e sempre que ouve movimento fora de nosso portão, mas se cansa logo. Carrega consigo coisas que vêem com a idade, tem um lipoma benigno no pescoço, há mais de quatro anos, em um lugar inoperável, entre a jugular e a traquéia, e esse é o motivo de viver separado dos outros cães, jovens e bagunceiros: as brincadeiras brutas da Brisa já machucaram esse caroço e o inflamaram, certa vez.

Sol sempre foi um amor de cachorro, naturalmente equilibrado, amigo de gente, cães e gatos. A idade não o tornou rabugento, ele continua abanando seu rabo para todos. Foi companheiro meu e de meu filho por quase dez anos, e uma espécie de avô para meu neto. Nunca tive outro cão com a boa vontade infinita que Sol tem, embora seus três companheiros de geração, que já se foram, também tivessem sido cães melhores do que o normal. Ele às vezes manca um pouco da perna traseira, mesmo tomando remédio para as articulações. Mas jamais deixa de atender, bem humorado, quando o chamamos para perto de nós.

Durante esse nosso tempo de vida juntos, quantas vezes ele me surpreendeu com sua empatia, quando eu estava triste ou perturbada, quantas vezes me consolou com seu carinho e sua companhia silenciosa. E eu sei que haverá um final de tarde, mais ou menos próximo, no qual estarei fazendo minhas coisas de rotina, todas, menos um dos rituais. Mas ainda não é hoje. Agora, o sol ainda brilha, ainda há passarinhos voando e Sol está iluminando e aquecendo a minha vida.

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Abril 2011, com a gata amiga Ana Francisca, aos 10 anos e 9 meses

Não é legal ficar pensando em uma perda que se aproxima, por mais que esse seja o futuro de todos. É difícil falar sobre isso, joga a gente de volta à dureza da realidade. É doloroso até pensar que uma criatura tão formidável como Sol está envelhecendo. É sofrido conviver com o processo. Não quero ficar falando nisso perto dele, porque ele sentirá que há algo errado, ele sempre sente, se pudesse falar, diria: “O que está preocupando você? Eu ainda não fui embora!” Mas como gente que sou, não consigo deixar de antecipar as coisas e de me emocionar nas horas erradas.
Cães também têm emoções, mas não se emocionam antes da hora. Por isso, enquanto houver Sol, escondo meu coração cada vez que ele se aperta em antecipação, e procuro não chorar perto de meu cachorro.

Mas todas as noites, antes que eu traga Sol para dentro de casa para dormir em sua própria caminha ao lado da minha, quando eu o levo à grama para fazer xixi e ficamos ambos olhando o céu estrelado, sinto que estou vendo naquelas luzes os companheiros cães que se foram e que olham lá de cima para nós, e não posso nem imaginar o que farei ou como viver, quando Sol se tornar também uma outra estrelinha no céu dos cães.

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Em agosto 2011, aos 11 anos e um mês

Texto e fotos por Tereza Falcão.
Não perca na próxima semana: o final da linda história de Sol!


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