junho 11

Como contar às crianças que o cachorro morreu

O nosso tema de hoje é triste, porém necessário. Eu já tinha pensado em escrever sobre isso algumas vezes, mas acabei não levando adiante até agora. Quando tive que encarar pessoalmente esta difícil missão.

Escrevo este artigo exatamente uma semana após a perda do nosso Pit Bull Paxá, que faleceu aos 13 anos de idade, vítima de um câncer. Hoje, escrevo mais como mãe, do que como veterinária. Quero compartilhar com vocês como foi a nossa experiência com a nossa filha de 4 anos, e aproveitar para dar algumas dicas sobre como dar às crianças a triste notícia de que o animalzinho de estimação faleceu.

Quando um cão velhinho morre, é provável que ele tenha estado presente por toda a vida da criança, e perdê-lo pode ser bem doloroso.

A Preparação

Assim como para nós, adultos, uma certa preparação psicológica para o que está por vir é importante. Apesar de também ser doloroso, é mais fácil para nos conformarmos com a perda de alguém que já estava doente e sabidamente se aproximando da morte, do que quando somos pegos de surpresa – como em um acidente, por exemplo.

Desta forma, é importante que o seu filho saiba, por exemplo, que o cão já está bem velhinho, ou que ele tem um “dodói” que não vai sarar. Não há necessidade, neste momento, de dizer que o cão vai morrer. Mas, se a criança perguntar (a minha perguntou), não minta.

O aviso prévio é importante. A criança pode não compreender o peso da informação num primeiro momento, mas a morte se torna menos assustadora se você souber que há sinais que avisam antes. Do contrário, a criança pode passar a ter medo até mesmo de ir dormir, ou de sair de perto dos pais, já que qualquer um pode estar bem num momento, e morrer no momento seguinte. Até ela própria, ou a mamãe ou o papai.

A minha experiência:

Não tivemos muito tempo para dar um “aviso prévio”, mas tivemos algum. Foi exatamente um mês entre detectarmos o problema, e a morte do Paxá. Ela já sabia que ele estava velhinho, mas ele estava aparentemente bem e sem qualquer sinal que indicasse que estava doente. Até que, de repente, detectamos um problema.

Na ocasião, decidi fazer um exame de sangue nele por achar que ele estava pálido. O exame apontou uma anemia gravíssima, a ponto de precisar de transfusão de sangue. Temi por ele na hora – não só pela anemia em si, mas pelo próprio risco da transfusão, já que ele já tinha tido uma anemia hemolítica alguns anos atrás e já tinha passado pelo procedimento uma vez (a cada nova transfusão, o risco de rejeição e de complicações aumenta). Então, falei para a minha filha: “o Paxá está muito doente, e vai precisar ir para o hospital. Vai precisar ficar um tempo lá, mas não sabemos ainda quanto”.

Ela imediatamente me perguntou: “ele vai morrer?”

Minha resposta? a mais sincera possível: “a gente não sabe… nós vamos fazer o que pudermos para ele melhorar, e vamos torcer para ele voltar para casa logo”.

Ao repetirmos o exame, já no hospital, constatamos que a anemia tinha melhorado um pouco, e optamos por suspender a transfusão por hora. O Paxá voltou para casa no mesmo dia. Expliquei para ela que ele ainda estava doente e que talvez precisasse voltar ao hospital, mas que, por enquanto, cuidaríamos dele em casa mesmo. A pergunta voltou: “ele vai morrer?”

Respondi com sinceridade novamente: “a gente espera que não, mas talvez sim. Não sabemos quando e nem como, mas vamos fazer o que pudermos para que ele melhore e fique bem.”

Você deve estar se perguntando: e como ela encarou estas notícias? com bastante tranquilidade… Aos 4 anos, as crianças não tem noção real do que significa morrer. E, mesmo tendo perguntado, na cabecinha dela, esta era uma possibilidade bem distante. Ainda assim, friso, este foi um momento importante para a preparação dela para “a hora H”.

Mas e se for eutanásia?

No caso da eutanásia, temos a vantagem de saber exatamente quando vai acontecer. E a criança deve ser avisada antes. Se for maiorzinha, pode até mesmo ser dada a ela a opção de acompanhar o procedimento se ela quiser.

Se a eutanásia for agendada, então explique de uma forma que a criança possa entender:

  1. Que o cão está muito doente, e/ou sentindo muita dor, e que não há mais remédios que possam ajudá-lo a se sentir melhor;
  2. Que, por causa disso, o veterinário irá aplicar uma injeção nele (em casa ou no hospital) para que ele não sofra mais;
  3. Que ele não voltará mais para casa. Sim, o cão vai morrer (não use eufemismos, como dormir ou descansar, pois depois a criança pode ficar com medo de ir dormir e não acordar mais);

Dê a ela a oportunidade de se despedir do animal – dar um abraço, um petisco, um brinquedo, um passeio ou da forma que achar mais apropriado. Deixe que ela saiba quando isso vai acontecer, e responda às perguntas que ela tiver com honestidade.

Dando a notícia…

Essa é a parte mais difícil, e que mais gera dúvidas e controvérsias. Nós não queremos ver nossos filhos tristes, ou fazê-los chorar, e pode parecer “mais fácil” inventar uma história para explicar a ausência do animal. Mas, entenda: as crianças encaram a morte com muito mais naturalidade do que nós, adultos, e são capazes de lidar com a notícia melhor do que nós mesmos. Talvez, em parte, por não entenderem totalmente o que está acontecendo, ou, ainda, porque eles não têm ainda a noção do que significa o “nunca mais”; seja como for, a verdade é o melhor caminho.

Na medida do possível, procure estar calmo na hora de transmitir a notícia. Talvez seja difícil conter as lágrimas (e também não precisa), mas é importante passar tranquilidade e paz. A criança deve compreender a morte como algo natural que faz parte da vida, sem dramas e sem medos. Isso a ajudará a aceitar melhor os fatos e a superar a perda com menos sofrimento.

Não diga:

O cachorro fugiu… A suposta “fuga” não fará outra coisa além de prolongar o sofrimento da criança. Ela pode se sentir, em primeiro lugar, “traída” pelo animal – que sempre foi bem cuidado e amado -, e, de repente, resolveu fugir. Mal agradecido. Ela pode se questionar se o bichinho realmente gostava dela… E, mais: pode nutrir a esperança de reencontrá-lo um dia, tornando-se ansiosa e querendo procurar por ele.

Foi morar numa fazenda… Quem levou o cachorro para lá? por quê? por que a criança não foi avisada antes? quando irão visitá-lo? Se o cão supostamente foi levado para outro local, é natural que surjam questionamentos. E, principalmente, que a criança deseje ir visitá-lo – desafio este que os pais terão que contornar diversas vezes, por muito tempo, até que a criança desista ou que decidam falar a verdade.

Papai do céu chamou ele… o problema não é dizer que o cão foi morar com o Papai do Céu, mas sim que, de uma hora para outra, Deus decidiu levar o seu cão embora. Esse é outro tipo de coisa que pode criar medos e dúvidas. Afinal, quem mais Ele pode querer chamar também? a própria criança? o papai? a mamãe? por que Ele fez isso? Pode ir visitar? chamou para onde? como ele foi? Então, se estiver de acordo com a sua crença, pode dizer sim que o cãozinho foi morar com o Papai do Céu. Mas deixe claro, primeiro, que o cão morreu. Com todas as letras. E que, depois de morrer, aí sim foi para o céu.

A minha experiência:

A anemia do Paxá foi completamente revertida dentro de duas semanas. Ainda assim, o câncer foi implacável e conseguiu derrubá-lo apenas um mês após o diagnóstico.

Por sorte, no momento em que recebi o “golpe inicial”, a minha filha não estava em casa. Ela tinha ido dormir na casa da avó, e eu tive até o dia seguinte para processar a informação e me preparar psicologicamente para conversar com ela. Tivemos tempo até mesmo para discutir se ela deveria ou não ver o corpo dele (daqui a pouco, falo sobre essa questão).

Optamos por contar a ela ainda na casa da minha mãe, para que ela tivesse tempo de digerir a notícia antes de chegar em casa, e também para poder contar com o apoio dos avós, caso precisasse. Meu marido e eu a chamamos para conversar em particular, e, com, bastante calma, tivemos a seguinte conversa:

Eu: “você lembra que a mamãe te falou que o Paxá estava bem velhinho e doente?”

Ela: “Sim…”

Eu: “então… ele estava muito doentinho mesmo. Por isso, na noite passada, ele morreu. Foi morar com o Papai do Céu…”

Ela: “morreu?”

Eu: “Sim…”

Ela: “Então, quer dizer que agora a gente pode pegar um cachorrinho da rua pra cuidar? ”

Eu: “É, daqui a um tempo, poderemos adotar um novo cãozinho”

Ela: “E o nome dele vai ser Paxá. A gente vai adotar um cachorro e chamar ele de Paxá”

Eu: “Ok… Mas você entendeu então, que, quando voltarmos para casa, não vai mais ter o Paxá?”

Ela: “Entendi.”

Ela foi brincar. Fiquei até um pouco chocada com essa reação tão tranquila, e fiquei esperando o momento em que a bomba iria explodir… E este momento foi mais tarde, naquele dia, quando já estávamos de volta em casa. Ao ver a Cookie, ela começou a fazer perguntas, e a fazer ligações na cabecinha dela. A ficha caiu, e ela chorou.

Um choro contido… Ela queria chorar, e, ao mesmo tempo, não queria. Eu a abracei, e disse que não tem problema ela ficar triste, e não tem problema chorar. Disse que eu também estava triste, e que sentiríamos saudades dele, mas que a dor ia passar.

Ela fez muitas perguntas, e fui respondendo a cada uma delas. Falamos até sobre a cremação, e como receberíamos uma “caixinha” (urna) com um “pozinho” (as cinzas) para ter de lembrança… E que poderíamos guardar este pozinho como recordação, ou soltar num lugar onde ele gostava de ficar. Ela perguntou sobre a cor das cinzas, falou que gostaria de guardá-las, e que faria um desenho para ele, para guardarmos junto na “caixinha”.

A criança deve ver o corpo do cão?

Esse assunto foi tema de debate aqui em casa. Eu achava que ela deveria, sim, vê-lo, para entender melhor o que aconteceu. Meu marido achava que não, pois ela poderia ficar impressionada.

Vamos deixar claro que o Paxá faleceu dormindo, e parecia estar apenas num sono profundo. Num caso em que o cão sofra algum tipo de acidente e que o corpo esteja desfigurado ou, de algum modo, numa posição antinatural, é melhor que a criança não veja mesmo.

Entramos num impasse. Era de noite, eu estava cansada, o bebê precisava dormir, e não sabíamos o que fazer. Optamos então por chamar um crematório de animais com serviço 24 horas para vir buscar o corpo. Ela não o veria mais.

Mais tarde, conversando com a psicóloga Maria Elizabeth Haro, psicóloga especialista em desenvolvimento infantil e professora da PUC/PR, descobrimos que ver o corpo pode ser bom sim para a criança, e não traumatiza (desde que, é claro, o corpo não esteja ferido ou desfigurado, como num atropelamento). As crianças vêem a morte com mais naturalidade do que os adultos, e ver o corpo do animalzinho de estimação pode ajudá-las a compreender melhor os fatos.

Por outro lado, não tem problema se os pais optarem por não mostrar o corpo do animalzinho para a criança. Ela vai acabar entendendo de outra maneira, sem grandes empecilhos. A minha filha, por exemplo, não pediu para ver (ainda bem, já que, quando ela voltou para casa, ele já não estava mais lá). Para ela, bastou que eu contasse o que tinha acontecido, e ficou tudo certo assim mesmo.

E depois…?

Cada pessoa lida com o luto de um jeito diferente, e isso inclui as crianças. Mas, em geral, elas sofrem menos com as perdas do que os adultos, ao contrário do que costumamos pensar.

Minha filha ficou triste sim com a perda do bichinho, porém, não ficou tão chorosa ou desesperada quanto eu achava que ficaria. Ela ficou relativamente tranquila, embora tenha ficado claro para mim que o assunto estava na cabecinha dela.

Ela ficou bem ansiosa pela chegada das cinzas do Paxá. Ela queria ver. Nós recebemos as cinzas em uma linda urna de madeira, junto com uma pequena caixinha que tinha uma impressão da patinha dele, para guardarmos de recordação.

à esquerda, a caixinha com a impressão da pata do Paxá; à direita, a urna com as cinzas dele
impressão da patinha do Paxá

Quando chegaram, eu mostrei a ela a caixinha. Ela abriu com cuidado, olhou, pegou, e quis até cheirar. E chorou mais uma vez.

Perguntas, perguntas, e mais perguntas…

Ao longo da semana, ela fez várias perguntas sobre o Paxá e o que tinha acontecido com ele. Era curiosidade genuína. Algumas perguntas tinham respostas fáceis; outras, nem tanto. Ela quis saber, por exemplo, se só a cabeça dele tinha ido para o céu (afinal, se ele foi morar no céu, mas o corpinho dele está aqui e foi transformado em cinzas… o que foi para o céu, exatamente?).

É difícil explicar o conceito de alma para uma criança de 4 anos. Mas este pode ser um bom momento para explicar as crenças da sua família aos seus filhos, da maneira mais clara que conseguir. A perda de um animal de estimação é, para a maior parte das crianças, o primeiro contato com a morte. Apesar de não ser uma regra, geralmente as crianças perdem um animalzinho antes de perderem um parente próximo. Então, esta é uma oportunidade para que elas aprendam um pouco sobre a mortalidade, e até mesmo a processar o luto de uma forma um pouco menos dolorosa do que seria no caso da perda de um avô, uma avó, ou um dos progenitores.

Devo dizer que, a cada pergunta, o meu coração se partia um pouquinho. E também ao ver como ele ainda estava no coraçãozinho dela, quando, dias depois da morte do Paxá, ela me perguntou se podia dar biscoitos aos cachorros. Assim, no plural. E, então, apenas observei enquanto ela mesma parava para pensar no que tinha dito e para se corrigir. Afinal, agora só temos um cão. Ainda assim, por força do hábito, ela pegou dois biscoitos, como sempre fazia: um para cada um. A Cookie comeu os dois.

Dica de leitura

Em minha busca por ajudar minha filha a melhor compreender a situação e a passar pelo luto da forma menos traumática possível, é claro que eu não poderia deixar de procurar um bom livro sobre o tema. E achei.

O livro “Por que o Elvis não latiu?”, por Robertson Frizero, conta a história de um menino que perdeu o seu melhor amigo: o cãozinho Elvis, que o recepcionava com alegres latidos sempre que ele chegava da escola. Os pais, então, precisam dar a triste notícia, e explicam como agora o Elvis está morando num lugar lindo e feliz.

capa do livro "por que o elvis não latiu"

Minha filha adorou o livro, e pediu para ler e reler várias vezes. Ela rapidamente fez a correlação com o que tinha acontecido, e disse que achava que o Elvis era o Paxá. Mostramos o livro para a psicóloga Maria Elizabeth N. Haro, que o considerou excelente e muito apropriado para ajudar as crianças a processarem o luto. Recomendo para crianças de todas as idades.

Amor pra recomeçar…

O mais importante de tudo, na verdade, é validar e acolher os sentimentos do seu filho. Vai doer, sim. Infelizmente, o sofrimento é inevitável… E, nessas horas, o melhor que podemos fazer é oferecer um abraço e uma palavra de carinho. Uma hora, vai passar. Para você e para ele ou ela.

Preste atenção ao seu filho: não é só porque ele parece tranquilo, que não está sofrendo. Entenda que a criança pode ficar mais recolhida, mais sensível ou até mesmo agressiva durante o período de luto. Pode ser interessante avisar à escola, para que os professores saibam como lidar com eventuais mudanças no comportamento da criança, e até mesmo ajudá-la a superar a perda. Converse com o seu filho, pergunte como ele está se sentindo, e ajude-o a colocar para fora aquilo que sente. Você pode dizer que o cãozinho viverá sempre no nosso coração, e que ele pode vir visitar nos sonhos. A criança pode fazer um desenho ou um texto para homenagear o bichinho, e, se a família assim desejar, podem até mesmo organizar um funeral para se despedir.

Mas não se apresse em levar um novo animalzinho para casa. Muitos pais pensam que é uma boa ideia, comprar ou adotar um cãozinho imediatamente após a perda de outro. Essa estratégia, porém, tem alguns “furos”… Um deles é que você acaba passando a mensagem errada: que o cão é substituível. Morreu? Perdeu? Tá doente? pega outro! Não é bem assim… aquele cãozinho que partiu era um indivíduo único e especial, que não poderá ser substituído por outro. E aí vem o segundo “furo”, especialmente para crianças mais velhas: a criança pode sentir exatamente isso – que o novo bichinho está querendo “tomar o lugar” do anterior, e criar até mesmo um rancor contra ele (“você não é o Bolinha, nunca será”). Diga-se de passagem, isso acontece até mesmo com adultos, ainda que de forma muitas vezes inconsciente. Por isso, adotar um novo cão antes de terminar de processar o luto pela perda de outro costuma não ser a melhor ideia, independentemente de haver crianças na casa ou não.

E lembre-se: o tempo vai passar, as feridas vão cicatrizar. Aí, sim, sua família pode estar pronta para um novo membro de quatro patas. Que jamais substituirá aquele que partiu, mas que também trará muitas alegrias e merecerá ser tão amado quanto.


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