Você já parou para pensar sobre a origem do seu cachorro? Se não parou, é bom refletir…
No primeiro artigo desta pequena série, falamos sobre os filhotes “nascidos em casa“, ou seja, frutos de acasalamentos entre cães de estimação. Agora, vamos entender como funcionam as criações comerciais de cães.
A Criação Comercial de Cães
As criações comerciais de cães, basicamente, reproduzem cães de raça com o objetivo de vender os filhotes. Estes filhotes devem, em tese, estar em conformidade com os padrões estabelecidos pelo Kennel Clube, que determina o tamanho, forma, cor, e variações consideradas aceitáveis para cada raça.
Os padrões raciais visam a obtenção um cão de tamanho, aparência, e, em alguns casos, temperamento previsível. Isso pode ser visto como uma vantagem por muitas pessoas, que desejam ter em suas casas um animal que combine com o seu estilo de vida, e que possa ser acomodado confortavelmente na sua residência.
Mas há um “outro lado”, ainda pouco debatido para os padrões raciais: a maioria deles não se preocupa com a saúde do animal. Diversas características “desejáveis” em cães de raça são, na verdade, anti-naturais e disfuncionais. Um exemplo clássico disso são os cães braquicefálicos, que já discutimos neste artigo. Já os cães de raças condrodistróficas (os “compridinhos”, como o Teckel e o Basset Hound, por exemplo), devido às suas patas desproporcionalmente curtas, têm muitos problemas de coluna, e o quadril “rebaixado” do Pastor Alemão o torna propenso a doenças articulares, como a displasia coxofemoral.
Menos visíveis são as doenças hereditárias, comumente resultado de seguidos acasalamentos consanguíneos (entre parentes, como mãe e filhos, avô e neta, tios e sobrinhas, etc.) que aumentam a chance de que problemas genéticos antes ocultos comecem a aparecer. Neste rol, podemos citar com destaque os Poodles, com alergias e insuficiência cardíaca, os Cocker Spaniels, com otites recorrentes, os Boxers com tumores (mastocitomas) e arritmias cardíacas, os Yorkshire Terriers, com colapso de traqueia e luxação de patela, os Labradores com epilepsia, e outras raças, com problemas de maior ou menor gravidade.
Infelizmente, apesar de as doenças hereditárias mais comuns em cada raça já serem bem conhecidas, a presença ou ausência delas raramente é usada como critério de seleção nos canis. Isso porque, para a maioria das raças, basta que o animal tenha a aparência desejada para que seja considerado “dentro do padrão”. Desta forma, nada impede que um Boxer com mastocitoma, ou um Poodle com Insuficiência Cardíaca, ganhe uma exposição como “o melhor da raça”.
No outro extremo, um filhote perfeitamente saudável mas cuja aparência não se encaixe nos padrões não raro acaba sendo “descartado” (sacrificado). A maioria dos criadores não quer “se queimar” vendendo filhotes fora do padrão racial, e, menos ainda, ter despesas para manter estes animais no seu canil.
Dito isso, é preciso conhecermos também a forma como são feitas estas criações. Para evitarmos generalizações, vamos classificar os criadores em três categorias básicas, embora haja nuances entre eles.
As “Fábricas de Filhotes”
As chamadas “fábricas de filhotes” são, provavelmente, o que há de mais cruel na criação de cães. Com o único objetivo de minimizar custos e maximizar os lucros, os cães são tratados como objetos facilmente descartáveis.
Normalmente, estes locais não se preocupam com a seleção genética dos seus animais, pouco importando se os cães se encaixam ou não nos padrões raciais, ou se são saudáveis. Também não há preocupação com nutrição, higiene, ou bem-estar animal. Os cães ficam engaiolados em lugares sujos, e recebem alimentação de baixa qualidade, com pouca ou nenhuma assistência veterinária.
As fêmeas são usadas à exaustão para gerar inúmeras ninhadas consecutivas, em detrimento da sua saúde e bem estar, sendo descartadas quando não conseguem mais se reproduzir adequadamente.
É claro que estes criadores sabem que a maioria dos seus clientes em potencial não gostaria de saber disso, e, por isso, não costumam permitir visitas aos seus canis. Para serem vendidos, os filhotes são “arrumados” e expostos em pet shops, feiras e exposições, ou então, podem ser negociados por telefone ou internet, mas sem que o comprador tenha a oportunidade de ver em que condições eles foram criados.
Criações “de Fundo de Quintal”
Também conhecidos como “cachorreiros” ou “gigolôs de cachorro”, os criadores de fundo de quintal até tem um certo carinho pelos seus animais. Em geral, eles genuinamente gostam de cachorros, e gostam de tê-los em sua companhia, motivo pelo qual estas criações costumam ser feitas nas próprias casas dos criadores (daí o nome – “de fundo de quintal”). Mas lhes falta conhecimento técnico, inclusive quanto a questões relativas ao bem estar animal.
A seleção genética, por exemplo, não costuma ser lá muito criteriosa. Ainda que utilizem como reprodutores cães que estejam dentro dos padrões raciais, não há grande preocupação com a compatibilidade entre um macho e uma fêmea, e a possibilidade de transmissão de doenças hereditárias aos filhotes. Existe a crença de que “é normal” acasalar mães com filhos, irmãos, tios e sobrinhas, avôs e netas, etc. E fazem isso com bastante frequência, com duas finalidades: (1) economizar dinheiro, pois, assim, não precisam comprar reprodutores; e (2) reforçar as características da raça, ainda que isto custe a saúde dos filhotes (mas, em sua defesa, normalmente estes criadores não sabem das terríveis consequências dos seus atos).
Normalmente, não falta assistência veterinária a estes cães. Mas, mesmo assim, não parece haver uma preocupação com a saúde e o bem-estar das matrizes, que são acasaladas seguidamente, sem que os seus corpos tenham tempo para se recuperar da gestação e lactação anteriores. Estas fêmeas também são desgastadas ao extremo, mas, novamente, o criador parece não ter ciência do quanto isso faz mal a elas.
Em relação à alimentação, há variações – alguns usam rações baratas, “de combate” (à fome), enquanto outros até usam rações premium ou super premium.
Se você quiser visitar um destes criadores, muito provavelmente ele dirá que você será bem-vindo(a). Os cães normalmente ficam soltos, apesar de que, considerando a grande quantidade de animais, o espaço é com frequência insuficiente para comportar a todos adequadamente. É claro que, com tantos cães, eles não costumam ser levados para passear, por isso a restrição de espaço também é um problema neste tipo de criação (mesmo que eles não fiquem engaiolados). Aos olhos leigos, os cães parecerão bem cuidados, mas, lembre-se: os filhotes têm alta probabilidade de terem doenças hereditárias, as cadelas estão sendo acasaladas e desgastadas sem que tenham tempo de se recuperarem, e, na maioria das vezes, há uma alta densidade de animais em espaços não muito grandes, facilitando a proliferação de doenças e fazendo com que os cães não consigam se exercitar adequadamente. Por conta disso, os cães podem ficar estressados e até agressivos.
Este é o tipo de criador que mais encontramos. Parece legal, mas… olhe bem. Pense bem.
O Criador Profissional “Idôneo”
Os criadores idôneos, infelizmente a minoria, são aqueles que de fato se preocupam com todos os aspectos de saúde e bem-estar dos seus animais.
Continua sendo um negócio, sim, mas é gerido por profissionais que conhecem bem os cães, e que tomam os devidos cuidados para que os seus animais sejam criados adequadamente. Uma das principais características é a seleção genética. Seleção genética esta, feita não apenas com a finalidade de enquadrar um cão no padrão da raça, mas também de produzir filhotes saudáveis com menores probabilidades de doenças hereditárias. Para isso, os reprodutores são selecionados cuidadosamente, e não raro são importados para garantir uma menor consanguinidade (menor grau de parentesco). Por vezes, o próprio sêmen chega a ser importado para que seja feita a inseminação artificial das matrizes com um custo um pouco menor do que a importação do próprio reprodutor. Mas é claro que isso tem um custo, que não é baixo. Na verdade, esta é, provavelmente, a parte mais cara da criação.
São tomados cuidados também com a alimentação adequada, e assistência veterinária. As criações costumam se concentrar em chácaras ou outros lugares amplos, para que todos os animais possam ser bem acomodados, e tudo é mantido sob boas condições de higiene. Mais um aspecto importante é que as matrizes têm períodos “de descanso”, como um ou dois cios entre um acasalamento e outro, para que possam se recuperar da gestação e lactação anteriores.
Para que isso tudo seja possível, este tipo de criação possui um alto custo de manutenção, o que significa que os filhotes gerados serão vendidos a altos valores. É claro que um filhote “caro” não é, necessariamente, proveniente de um criador idôneo. Por outro lado, um filhote vendido a R$100,00, certamente não é.
Mas tome cuidado: mesmo um criador aparentemente idôneo pode ter o seu “lado B”! Mesmo que seja feito todo um trabalho de seleção genética, não há como garantir 100% que todos os filhotes serão “perfeitos”. Alguns podem vir com pequenos defeitos, ou então, podem nascer fora do padrão da raça. Antes de comprar, procure descobrir qual é o destino dado a estes cãezinhos. Pode ser que eles sejam “descartados”, caso em que eu particularmente desclassificaria este criador da categoria “idôneo”. Profissional, sim, mas idôneo… nem tanto!
Se estiver cogitando a possibilidade de comprar um cão, seja extremamente cuidadoso. Visite os criadores, verifique em que condições os animais são mantidos, faça perguntas, seja “chato”. A sua preocupação não deve ser somente com o cãozinho que pretende levar para a sua casa, mas sim, com tudo o que ele, os seus irmãozinhos, pais, tios, etc., precisaram passar para que este filhote chegasse à sua casa. Isso muda tudo.
O Custo de Um Filhote
Cada criação, cada raça, pode ter custos diferentes. Mas o fato é que a criação comercial de cães, quando feita corretamente, tem um alto custo, que é obviamente repassado aos compradores. Não é demais esperar, por exemplo, que um filhote de Bernese Mountain Dog custe mais de R$3.000,00.
E aí, vem a questão: “OK, eu entendi, custa caro mesmo para produzir um filhote adequadamente, mas eu não tenho R$3.000,00 para comprar um cachorro”. O que é perfeitamente compreensível. Neste caso, o que fazer?
Bom, vou dizer primeiro, o que não fazer: não dê dinheiro para fábricas de filhotes e cachorreiros. Não estimule o comércio de animais feito às custas da saúde e do bem estar destes mesmos animais que tanto amamos. Caso não encontre um criador idôneo, ou não tenha dinheiro para comprar um filhote da raça que você gostaria de ter, pense se realmente é o caso de você comprar um cão.
Mas, calma: você ainda assim pode ter um cão! Há uma luz no fim do túnel, e falaremos sobre ela no próximo artigo 😉
LEIA OS ARTIGOS DESTA SÉRIE:
- De Onde Vem o Seu Cachorro? – Parte 1 – Filhotes em Casa
- De Onde Vem o Seu Cachorro? Parte 3 – em breve (07/04/2017)
Ola, obrigada pelos ótimos posts, eu gostaria de saber se tem algum artigo que fale de alguns bons canis para quem tem interesse em comprar cachorros de raça , e boa procedência, pra justamente fugir dessas fabricas de filhotes horríveis, sei da importância enorme da adoção , mas as pessoas que vão comprar os cachorros de raça, fazer esse ato com a maior das responsabilidades possíveis, e que seja seguro para os animais envolvidos na recria, e para os futuros tutores, não sei como ficaria a questão de estar ou não fazendo marketing, mas vindo de um portal regido por alguém profissional ficaria mais tranquilo pra pessoas interessadas conhecerem esses canis de boa procedência aqui no Brasil, com uma rápida pesquisada achamos algo no Google, mas não sei, seria apenas uma ideia.
Muito obrigada pelo ótimo trabalho em trazer informações de qualidade para os tutores, acompanho seu trabalho com afinco.
Muito obrigada, Olivia! Vamos estudar esta possibilidade…
De imediato, eu diria que não é muito fácil conseguirmos ter uma listagem de criadores idôneos, já que temos o compromisso de apresentar informações com a maior confiabilidade possível – e, sinceramente, eu só classificaria um criador como “idôneo” depois de visitá-lo pessoalmente e conhecer muito bem os seus métodos de criação. Isso limita bastante a nossa capacidade de conseguir uma boa lista, e não podemos correr o risco de recomendar criadores que não tomem todos os cuidados relativos ao bem-estar dos animais.
Mas, como disse, vamos estudar essa possibilidade. Com certeza, existem pessoas que continuarão comprando cães independentemente de qualquer argumento, e é importante que possam pelo menos optar pelos bons criadores.
Um abraço!