O irmão do dono da Hípica tinha uma PA – Babuska – que
sempre detestou a Kika e vivia brigando com ela.
Ah, a Babuska!..
Não eram só Joe e Bubi que andavam pela Hípica… Babuska
também morava lá. Nunca se esqueceu da Kika e da raiva que tinha dela, que
transferiu para a Brisa. Volta e meia as duas se pegavam, e o dono da Babuska
foi reclamar em minha casa. Gastei uma nota para aumentar a altura do muro, e
mesmo assim, Brisa tentou saltar um muro de dois metros e meio… Pedro, o dono
da hípica e irmão do dono da Babuska, era meu vizinho, e viu Brisa voando os
dois metros e meio, se apoiando no alto do muro e aterrisando em seu quintal.
Ficou literalmente de boca aberta. Mas não foi o único a se assustar: Brisa
também ficou amedrontada com a experiência. Bem que se diz que o cão tem
consciência de seus limites, desde essa vez, ela não saltou mais o muro
aumentado.
Babuska continuou aprontando. Não contente com latir em meu
portão todas as vezes que lá passava, certa tarde eu a vi entrando no quintal
do vizinho da frente. Algumas horas depois, a mãe da vizinha veio reclamar…
em minha casa! Dizia que a Brisa havia entrado em seu quintal e matado sua
galinha de estimação. Jurei de pés juntos que a Brisa não saíra de casa, mas
não queria “entregar” a Babuska, para não virar briga de três vizinhos… A
vizinha então começou a dizer que, se não fora a Brisa, só podia ter sido um
dos meus gatos…
Brisa passou a detestar os pastores alemães, com exceção do
Joe, desde essa época.
Quando eu ia para Boiçucanga, onde construí a pousadinha,
tinha uma sobrinha que tinha fobia de cachorros, desde muito pequena, sem
lembrar de nenhum trauma específico que pudesse ter causado essa neurose. Como
ela e eu gostávamos de desenho, de vez em quando ela vinha passar uns dias em
casa para fazermos juntas pinturas, que depois vendíamos. E precisava, se não
conviver, suportar a presença da Brisa. Acabou acostumando. Mas só com a Brisa,
com nenhum outro cachorro!
Houve uma vez, quando cheguei a Boiçu com a Brisa, que a
cadela saiu correndo na minha frente e entrou na cozinha da casa. Minha
sobrinha estava lá, fazendo almoço. Eu só escutei o grito de pavor: “- Um
cachorro!” E logo em seguida: “- Mas que alívio, não é um cachorro, é a
Brisa…” (suspiro).
Ainda em Boiçu, alguns meses depois, eu passava o dia na
beira do mar com a Brisa, que ficava solta pela praia e fazendo amizade com
todo mundo. Quando voltei de um mergulho, lá estava ela sentada ao lado de uma
moça com duas crianças, comendo biscoitos junto com os três. Dali a pouco, ela
desapareceu. Fui procurar na casa da minha cunhada e lá estava Brisa tirando
uma soneca no quintal, com minha sobrinha-neta, então com menos de um aninho de
idade, dormindo encostada na barriga da cachorra. Pouco depois chegou o pai da
menina, e quase teve um colapso quando viu a cena: “- Esse cachorrão vai morder
minha filha!”
A mãe da criança só deu risada e me falou: “-Não liga que
ele é apavorado mesmo.” Anos depois, o filho
mais velho desse casal escolheu comprar
boxers quando pode ter seus próprios cachorros. Quando eu chegava a Boiçu e
passava pela casa deles, o garoto, antes de me cumprimentar, procurava Brisa,
perguntando: “- Cadê o cachorrão?”
Boiçu foi uma bênção para Brisa. Ela não entrava no mar como
Alfa, tinha medo das ondas, mas nadava no riacho que deságua no mar, na beira
da praia, o mesmo onde ela tentava apanhar os cardumes de peixes. Todas as
vezes em que chovia na véspera e o riacho estava caudaloso, ela nadava para a
frente, em direção à outra margem, mas a correnteza a levava para o lado, em
direção ao mar. Todos os que assistiam a essa performance caíam na risada.
Nesses anos finais da década de 1980 e começo dos anos 1990,
era tão comum eu levar Brisa comigo a todos os lugares, que as pessoas
perguntavam “Cadê a Brisa?” mal eu chegava.
O COMEÇO DO CASO
É certo que Brisa estava com quase dez anos, mas coincidiu
com uma reviravolta financeira na vida da família o fato da Brisa ir ficando
mais apática a cada dia. Quando ela ia comigo para o litoral, ficava lépida
como sempre fora. Quando retornava a Arujá, dormia cada vez mais.
Foi quando vendi a Pousada e comecei a estudar para ter uma
profissão na qual a idade não gerasse preconceitos, como começara a acontecer
no Hipismo. Comecei a fazer o meu
primeiro curso de Psicanálise, em São Paulo, à noite e aos finais de semana.
Terminei fazendo nove anos de Psicanálise, dois anos de ortodoxa, mais dois de
Integrativa (com as terapias holísticas), um ano e meio de Terapia de
Regressão, quatro anos e meio de Psicologia Profunda ( Jung). Menos tempo para Brisa…
Em 1995, Brisa machucou o olho, em Boiçu. Ao retornar do
litoral, eu a levei à Clínica da Telma. Mesmo com dor, ela fez a maior festa ao
ver a veterinária amiga, que a recebeu brincando e falando: “- Tá ficando
véia?” Brisa acabou perdendo a visão desse olho. Não creio que tenha sido esse
o motivo, mas ela foi ficando ainda mais quieta, dormia quase o dia inteiro. Já
estava com 11 anos, e eu temia que não fosse mais viver muito. Mas em 1996,
Brisa recebeu um novo sopro de vida.
Da mesma forma que ela, eu, que andava deprimida, recebi uma
bênção que me fez voltar a sorrir e enxergar a beleza à minha volta. Por
maiores que fossem as atribulações do dia a dia, esse presente dos anjos que eu
e Brisa recebemos nos fez, a ambas, sentirmo-nos novamente jovens e renovou
nossa vontade de viver.
Pois chegou uma criaturinha que fez, só por si, minha vida
valer a pena.
E daqui para a frente esta história não é mais de um só
cachorro, mas do início da matilha, com a chegada do filho adotivo: Shiva, o
boxer que ganhei de uma amiga e que foi o melhor presente que já recebi em toda
minha vida.
O INÍCIO DO FIM
Dois anos depois da chegada do Shiva, a mesma amiga que me
dera o cãozinho me deu uma irmã mestiça dele, nascida em 1998 – Gaia. E em
seguida, em maio de 1999, ganhei a boxer pura Ágata. Estava formada minha
matilha de 4 cães que foram tão felizes juntos!
OS QUATRO AMIGOS SE DESPEDEM
Minha casa era muito boa para os cães, tinha um terreno de
1.200 metros quadrados, com três planos grandes e três rampas. Era perfeita,
com espaço para os cães correrem e se exercitarem, com as rampas que
desenvolviam seus músculos, com um quintal cujo jardim não era proibido a eles,
pois era todo de árvores grandes, arbustos resistentes e não venenosos, e grama
que podia ser pisoteada. Eu nunca proibi que estes cachorros fizessem buracos,
coisa que eles adoram: a terra é fresca no verão e morna no inverno! Volta e
meia, eles apareciam com os focinhos todos sujos de terra, depois de fazer uma
“caminha” ou enterrar alguma coisa…
A Brisa, quando novinha, era serelepe como a Ágata, mas
quando esta chegou filhote, a Brisa já tinha quinze anos de vida. Não corria mais
com os outros cães, apenas ficava por perto, junto com eles, se divertindo
mesmo assim. Lembro de novo que os cães tem mais consciência de seus limites
que os humanos…
No final de 1999, Brisa começou a mancar. Observei,
esperando que a manqueira fosse devida a um mau jeito ou à idade da cadela, e
passasse ou melhorasse com o tempo. Mas foi piorando cada vez mais. Levei, então, Brisa ao veterinário (não
lembro por que não foi a Telma, houve algo impedindo). José Roberto, o
veterinário mais próximo, em Arujá, estava viajando em um curso. Seu
substituto, Anderson, era melhor que o titular inclusive na parte psicológica:
tratava os cães como amigos. Tentou vários tipos de medicamentos enquanto pedia
exames para confirmar seu diagnóstico: Brisa estava com câncer no osso da
espádua.
E nenhum medicamento conseguiu impedir o câncer de
progredir. A única alternativa seria a amputação da perna dianteira inclusive
com a espádua. Eu não quis. Havia o risco da anestesia na idade da velha
cachorra, havia o sofrimento físico da dor do pós operatório, para ela viver
quanto tempo mais? Alguns meses? E com apenas três pernas!
Mas ela ainda comia bem, com apetite. E esse sempre foi meu
parâmetro para saber se um cão ainda tinha alegria de viver. Decidi deixar como
estava, enquanto ela comesse com vontade. Ela ainda comeu bem por mais dois
meses, no final nem mais se levantava, mas ainda comia tudo: eu levava a ela
sua vasilha com arroz, carne e legumes todo fim de tarde, e ela a esvaziava.
Até a tarde em que ela não mais quis comer. Ainda esperei mais um dia, e ela
continuou não querendo comer. Então telefonei ao Anderson, e levei Brisa à
Clínica em Arujá.
Quando a coloquei no carro, meu filho Hélio, muito ligado a
ela, advertiu: “- Não vá mandar matar!” Já na Clínica, quando Anderson me
confirmou que só o que Brisa tinha pela frente era uma extensão de sofrimento
cada vez maior, eu pedi a ele que telefonasse chamando Hélio, para que meu
filho ouvisse a explicação direto da boca do veterinário.
Hélio veio e Anderson foi conversar com ele, enquanto eu
esperava na sala de cirurgia, com Brisa deitada a meu lado na mesa. Hélio
entendeu a situação depois da explicação do Anderson, e veio ver sua cachorra
pela última vez. Disfarçou, mas estava chorando. Brisa, que estivera prostrada,
até então, ao ver Hélio levantou a cabecinha com um último esforço. “Ela quer
lamber você”, eu disse a ele, que se inclinou para receber o último beijo de
sua companheira por quinze anos e meio. Depois, saiu da clínica.
Anderson era anestesista, graças a Deus, e enviou Brisa para
o céu dos cachorros tão suave e delicadamente quanto um veterinário bom pode.
Como eu já fizera anos atrás com meu gato Juca, fiquei ao lado da Brisa,
abraçando-a, até que seu coraçãozinho parasse de bater. Sei que, por mais que
seja sofrido para o dono, isso é muito importante para que o animal não tenha
medo.
Minha amiga Lia trabalhava como auxiliar na clínica e nos
ajudou a colocar o corpinho da Brisa no carro, para que eu pudesse leva-la de
volta para casa e enterra-la em nosso quintal. Escolhi o ponto mais alto do
terreno, de onde Brisa costumava ficar olhando as matas vizinhas, e pedi a um
ex-funcionário da Hípica que era meu amigo e morava perto, que me ajudasse a
cavar uma cova e levar Brisa para enterrar no seu lugar de descanso.
Um último aperto em meu coração se deu quando o rapaz pegou
o corpinho e o colocou no carrinho de mão para transporta-lo morro acima:
a cabeça de Brisa pendeu como uma flor
com a haste partida. Sei que essas atitudes podem ser inúteis e fúteis, mas a
recoloquei deitada no carrinho de uma forma confortável, como se ela estivesse
dormindo. E Brisa foi para sua última morada.
Vou sempre imagina-la como na foto abaixo, como penso que
ela está hoje em espírito, por mais que o local tenha mudado desde então:
aquele alto do morro que ela gostava vai permanecer sempre daquela forma no céu
dos cães, com as árvores em flor e Brisa feliz, meditando.
TEXTO E FOTOS POR TEREZA FALCÃO
Este é o fim da história de Brisa… Em breve, você conhecerá a linda história de Sol!