A catarata é um problema comum em cães, que causa cegueira progressiva. Para entender melhor como ela acontece, é preciso conhecer um pouquinho a anatomia do olho, mais especificamente do globo ocular. Como a estrutura do olho é bastante complexa, vamos falar apenas das partes que são mais importantes para a compreensão do que é a catarata, e como funciona a cirurgia.
A ANATOMIA DO OLHO
A superfície do globo ocular é formada por três camadas bem finas, e o seu interior é preenchido por um líquido gelatinoso e transparente. As camadas externas são:
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Túnica Fibrosa: é formada por um tecido bem denso, que dá forma firmeza ao olho. Se divide em duas partes:
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A esclera, também conhecida como “o branco do olho”, que dá forma e protege o globo ocular. Na parte posterior, permite a passagem do nervo óptico, que é o nervo responsável pela visão. Por toda a sua extensão, é perfurada por pequenos nervos e vasos sanguíneos
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A córnea, que é a parte transparente do olho, que, como se observa na figura abaixo, fica levemente “saltada” para frente. Não há vasos sanguíneos na córnea, por isso não circula sangue ali!
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O local onde a esclera (“o branco do olho”) e a córnea (“a parte transparente”) se encontram é chamado “limbo”.
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Túnica Média: também chamada de úvea, contém vasos sanguíneos e músculos lisos. Serve para nutrir o olho e para ajustar o formato da lente e o tamanho da pupila, de modo a permitir o ajuste da visão. Se divide em:
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Coróide: fica logo abaixo da esclera. É pigmentada (escura), para absorver a luz, e vascularizada (tem muitos vasos sanguíneos), para nutrir a retina.
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Íris: É uma estrutura muscular com um orifício no meio (a pupila). É a parte que define a “cor dos olhos”, e também o diâmetro da pupila, para aumentar ou diminuir a passagem de luz.
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Corpo ciliar: É formado por músculos lisos, chamados de músculos ciliares, que ajustam a forma do cristalino.
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Túnica nervosa: é a retina, formada por células sensíveis à luz. Estas células transformam as imagens em estímulos nervosos. Estes estímulos chegam ao cérebro, e, assim, forma-se a visão.
Finalmente, vamos ao que interessa: o cristalino, também chamado de lente. Situado logo atrás da íris, ele divide o olho em dois compartimentos: a câmara anterior (entre o cristalino e a córnea, preenchida por um líquido chamado “humor aquoso”) e a câmara posterior (entre o cristalino e a retina, preenchida por um líquido chamado “humor vítreo”).
O cristalino é uma lente biconvexa (arredondada “para fora” dos dois lados), que serve para orientar a passagem da luz para a retina (exatamente como uma lupa). Fica preso aos músculos ciliares que mencionamos acima, que podem “puxá-lo” para deixá-lo mais fino, ou podem relaxar para deixá-lo mais grosso. Ele precisa ficar mais fino para melhorar a visão de objetos mais distantes, e mais grosso para ver os objetos mais próximos – é o que chamamos de “acomodação visual”. Para funcionar, o cristalino deve ser transparente. A perda desta transparência é a CATARATA.
CATARATA
Como já dissemos, a catarata é quando o cristalino fica turvo, o que impede que a luz chegue (total ou parcialmente) à retina. É uma das causas mais frequentes de perda de visão em cães. Ela pode ser:
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Congênita – quando o cão já nasce com catarata;
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Juvenil – quando a catarata aparece entre o nascimento e os seis anos de idade;
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Senil – quando ocorre em cães com mais de seis anos.
Em relação à causa, a catarata pode ser:
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Primária – aparece “espontaneamente”. Geralmente hereditária, é comum em diversas raças. Num estudo que avaliou 561 cães de pequeno porte com catarata, as raças mais acometidas foram, nesta ordem: Poodle Toy/ Miniatura, Yorkshire Terrier, Shih Tzu e Maltês. Outras raças que são bastante acometidas são o Schnauzer Miniatura, Cocker Spaniel, Golden Retriever, Fox Terrier, Labrador, e o Pastor Alemão.
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Secundária – é resultado de algum outro problema. Certas infecções e intoxicações podem causar catarata. A atrofia de retina – comum no Poodle Miniatura e no Cocker Spaniel Inglês -, traumas, a uveíte, o glaucoma, e luxação do cristalino também são possíveis causas. Ela também pode estar associada a deficiências nutricionais, síndrome de Cushing, e, com bastante frequência à diabetes mellitus.
Uma última, porém importante classificação da catarata se refere ao seu estágio de desenvolvimento. Ela pode ser:
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Incipiente – pequena opacidade no cristalino, sem perda da visão;
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Imatura – quase todo o cristalino está opaco, há alguma perda da visão, e o exame de fundo do olho fica dificultado;
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Madura – a opacidade é total, e o animal fica cego. Pode ocorrer glaucoma secundário;
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Hipermadura – o tamanho do cristalino diminui, ficando enrugado. As proteínas da cápsula podem extravasar, causando inflamação.
OS CANDIDATOS À CIRURGIA
Não existem medicamentos capazes de impedir a progressão da catarata, menos ainda de curá-la. Por isso, ainda que seja essencial o tratamento da causa subjacente sempre que ela for identificada (p. ex., infecção, diabetes, etc.), a catarata em si apenas pode ser curada com cirurgia. Mesmo assim, o sucesso da cirurgia depende de vários fatores, tais como a técnica e habilidade do cirurgião, os cuidados pré e pós-operatórios, o uso dos equipamentos corretos, e também a escolha do paciente.
Como assim, escolha do paciente?
Pois é, nem todo cão com catarata é candidato à cirurgia. Além dos riscos inerentes à qualquer cirurgia (risco da anestesia, que é minimizado com exames pré-operatórios “padrão”), alguns exames a mais são necessários para saber se o seu cão tem chance ou não de melhorar com a cirurgia.
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Eletrorretinograma: nos cães com catarata, o “exame de fundo de olho” fica dificultado, justamente porque o cristalino está tão opaco. O problema disso é que alguns cães – em especial os Poodles e Cocker Spaniels – podem ter ter problemas de retina junto com a catarata. Significa que, mesmo sem a catarata, o cão ainda seria cego! Então, não tem sentido operar… O exame é um pouco caro, mas, se o tutor optar por não fazê-lo, deve estar ciente de que, sem ele, a cirurgia pode acabar se revelando completamente inútil.
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Ultrassonografia: é um exame fácil e indolor, que não exige anestesia e ajuda a detectar certos problemas que contra-indicam a cirurgia, ou ainda, pode demonstrar que a causa da cegueira é outra que não a catarata. Com o ultrassom podem ser detectadas hemorragias intra-oculares, descolamento de retina, tumores intra-oculares, degeneração do vítreo, etc.
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Pressão intra-ocular: uma baixa pressão pode indicar uveíte, e uma pressão elevada contra-indica a cirurgia, exceto nos casos de glaucoma por luxação de cristalino.
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Avaliação do grau da catarata: Se por um lado há pouco benefício em se operar uma catarata incipiente, por outro lado a operação de cataratas hipermaturas tem menor índice de sucesso, com maior chance de complicações pós-operatórias. O momento ideal para a cirurgia é enquanto a catarata ainda é imatura.
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Demais exames pré-operatórios: hemograma, perfil bioquímico, eletrocardiograma e urinálise são muito importantes para o preparo adequado da cirurgia. Conforme o caso, outros exames podem ser solicitados também, como tempo de coagulação e radiografia torácica. Como essa cirurgia geralmente é feita em pacientes idosos – frequentemente diabéticos, e/ou com problemas cardíacos, renais ou hepáticos – os exames pré-operatórios são imprescindíveis para a segurança do procedimento. É com base neles que o médico veterinário irá dizer se o cão está ou não em condições de ser operado, e definir qual o melhor tipo de anestesia para ele.
PREPARANDO PARA A CIRURGIA
Feitos os exames e marcado o procedimento, geralmente o médico veterinário responsável prescreverá um colírio para dilatar as pupilas, que deverá ser usado por um ou dois dias antes da cirurgia. Antiinflamatórios (colírios e/ou por via oral) as vezes também são prescritos neste período. É recomendável banho com sabão anti-séptico, e, em cães com pêlos muito longos, uma tosa na cabeça.
A CIRURGIA
Existem duas técnicas para a cirurgia de correção da catarata em cães, e ambas requerem bastante prática pelo cirurgião. O procedimento é muito delicado, sendo muito importante que o médico veterinário que vai operar seja especialista em oftalmologia e esteja bem familiarizado com a técnica que irá utilizar. Vejamos, então, quais são os tipos de cirurgia disponíveis:
Facectomia Extracapsular
É uma técnica mais simples, utilizada principalmente quando os equipamentos mais caros e modernos não estão disponíveis. Ainda é utilizada em humanos no Brasil, podendo ser bem indicada para animais também.
É feita uma grande incisão (um corte) no limbo (onde a córnea se encontra com o branco do olho), e então, mais uma incisão na cápsula do cristalino. O seu conteúdo (córtex e núcleo) é retirado manualmente, e então uma prótese (Lente Intra-Ocular, ou LIO) pode ou não ser colocada no seu lugar. Depois disso, as incisões são fechadas.
Facoemulsificação
É a técnica mais moderna e mais utilizada atualmente para humanos. Devido ao seu custo e necessidade de equipamentos especiais, nem sempre está disponível para uso em cães, mas já há clínicas e hospitais veterinários que operam desta forma. Este método tem tido maiores taxas de sucesso e menos complicações do que o outro.
São feitas duas pequenas incisões no limbo, e então, cria-se uma abertura na cápsula da lente. Uma pequena sonda (“sonda faco”) é inserida, e ela emite ondas (ultrassom) que fragmentam o córtex e o núcleo do cristalino. Os fragmentos são aspirados, e, assim como no caso anterior, pode ou não ser colocada uma prótese no seu lugar.
Lente Intraocular para Cães
A lente intraocular nem sempre é usada, muitas vezes por questões de custo ou de disponibilidade. Para humanos, as lentes vêm sendo regularmente utilizadas, e melhoram muito a acuidade visual depois da cirurgia. Por outro lado, o seu uso pode aumentar a chance de complicações pós-operatórias e comprometer o sucesso da cirurgia.
COMPLICAÇÕES PÓS OPERATÓRIAS
A ocorrência de complicações no pós operatório pode interferir no sucesso da cirurgia, e impedir o retorno esperado da visão. Podem acontecer edemas, problemas de córnea, glaucoma, descolamento de retina, alterações do humor vítreo, e deslocamento da prótese.
RESULTADOS DA CIRURGIA
A cirurgia de catarata em cães vem apresentando taxas de sucesso de 80 a 90%, considerando “sucessos” os casos em que o cão passa a enxergar, ficando confortável e sem glaucoma. A chance de sucesso é menor para cães diabéticos e para aqueles cuja catarata já está madura ou hipermatura no momento da cirurgia.
Um estudo feito em 2006 nos EUA questionou os tutores de cães que foram submetidos à cirurgia de catarata (pela técnica de facoemulsificação) quanto à sua satisfação com os resultados. 81% deles se disseram satisfeitos, 12% estavam insatisfeitos, e 5% não tinham certeza. Eles levaram em consideração o custo da cirurgia, a melhora na visão dos animais, o grau de desconforto, a quantidade de consultas pós-operatórias, e a quantidade e frequência de medicamentos que precisaram ser usados após o procedimento.
Dentre os que estavam insatisfeitos, as queixas eram – perda da visão algum tempo depois da cirurgia, dificuldade para controlar a diabetes, ou, ainda, que a cirurgia foi dispendiosa demais. Cabe um parêntese para dizer que 61% dos tutores que se queixaram de perda da visão após a cirurgia não compareceram corretamente às consultas pós-operatórias, o que pode nos levar a crer que talvez estes animais não tenham recebido o cuidado devido após a cirurgia.
ESTOU INTERESSADO! ONDE POSSO LEVAR MEU CÃO PARA SER AVALIADO?
Como já mencionamos no início do artigo, a cirurgia de catarata em cães é bem delicada e exige conhecimento especializado. Se você tem a intenção de operar o seu cão, procure um médico veterinário especialista em oftalmologia na sua cidade e pergunte se ele faz a cirurgia ou indica quem faça. Normalmente, estes profissionais podem ser encontrados nos grandes hospitais veterinários, e também nos hospitais veterinários especializados. Se possível, procure referências do profissional escolhido para ter mais segurança.
E SE EU NÃO QUISER OPERAR?
A cirurgia da catarata é paleativa, ou seja, visa ao conforto do animal – e não à salvar a sua vida. Ainda que seja interessante aumentar o bem estar do seu cão, outros fatores importantes também pesam, como por exemplo, o custo da cirurgia, a disponibilidade de um profissional especializado para fazê-la, o estado de saúde do cão (que pode ser impeditivo para qualquer cirurgia em alguns casos), e também o fato de que nem todos os cães com cataratas são bons candidatos à cirurgia, como já mencionamos antes.
Ou, ainda: o tutor pode considerar que o seu cão se adaptou bem à cegueira, e não vê necessidade em operar. Tudo bem, normalmente os cães conseguem se adaptar, e, com alguns cuidados, é possível dar boa qualidade de vida a cães cegos ou com pouca visão.
Caso você opte por não submeter o seu cão à cirurgia, converse com o seu veterinário – ou com um especialista – para saber se é preciso usar algum medicamento. Não se engane, cães cegos as vezes também precisam de colírios! Isso porque, mesmo cego, o olho do cão pode ter uveíte (um tipo de inflamação/ infecção) e glaucoma (aumento da pressão intra-ocular), que são condições bastante dolorosas. Geralmente, o tratamento médico para cães com catarata – que, frise-se, não visa à recuperação da visão – inclui o uso de colírios antiinflamatórios, com ou sem midriáticos (dilatadores de pupila, servem para controlar a pressão dentro dos olhos).
Meu cão está com 12 anos e está cego com isso emagreceu muito o que posso fazer para ele ter uma qualidade de vida melhor ?
Ele tbm as vezes não consegue se manter em pe isso é por causa da idade ? A raça dele e poodle.
Olá, Monick!
Eu tenho um artigo com dicas de cuidados para cães cegos, recomendo a leitura: https://www.meucaovelhinho.com.br/artigos/comportamento/convivendo-com-caes-cegos/
Mas o emagrecimento dificilmente tem relação com a cegueira, a não ser que o seu cão seja diabético. Você chegou a investigar esta possibilidade?
A dificuldade de se manter em pé também não é “normal”, independente da idade. É preciso levá-lo ao veterinário para saber o porquê disso também… poderia ser causado pela diabete, se ele tiver, assim como problemas articulares (dor, artrite/artrose), ou mesmo neurológicos.
Bom dia, minha cachorrinha operou a catarata mas ficou com um pedacinho cristalino no olho. Pois m hora do procedimento a cápsula se rompeu e não foi possível colocar a lente. Hoje é possível ver ou pequeno pedaço desse cristalino. Quero saber se tem chances dela enxergar.
Olá, Vanessa!
Atualmente, na maioria dos casos de cirurgias de catarata em cães não são colocadas as próteses (a lente), e os cães voltam a enxergar mesmo assim. É preciso saber, entretanto, que a visão não fica perfeita, pois não há mais a acomodação visual. Então, o cão enxerga mais vultos e formas, sem que as imagens fiquem totalmente definidas.
Ando pesquisando bastante sobre o tema, pois meu cachorrinho está com catarata por idade mesmo, já possui 18 anos humanos rsrs
E gostaria de dar parabéns pelo site e pela matéria, até chegar no Meu Cão Velhinho, eu não havia encontrado nenhuma matéria tão completa e sincera quanto esta.
Muito obrigada!
Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado! =)
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Tudo de bom para você e o seu velhinho!
Um abraço!
Bom dia. Tenho uma maltês com 12 anos e com catarata. Moro em Itu, SP, próximo a Sorocaba e Campinas. Você pode nos indicar algum veterinário na região que faz cirurgia de catarata.
Olá, Walmir!
Infelizmente, eu não saberia indicar nenhum profissional especificamente na sua região… Mas sei que em Campinas há uma clínica especializada onde fazem a cirurgia: https://www.visao-animal.com/
Olá, teria algum profissional em Curitiba para nos indicar?
Olá, Carlos! Tudo bem?
Você pode procurar pelo Dr. Felipe Wouk, que atende no Hospital Veterinário do Batel https://hvbatel.com.br/), ou então o professor Fabiano Montiani Ferreira, no hospital veterinário da UFPR.
Olá, Dra. Bárbara!. Conosco tudo bem, a não ser pela vontade de fazer nosso caçula enxergar. Obrigado pelas indicações!
Abraço e boas festas!!!
Disponha, boa sorte com o peludo 😉
Boas festas para você também!
Um abraço
queria saber quanto é e esta cirugia minha cachorina o joão meu gato atacou ela e provavelmente furou um dos olhos dela agora ela esta com uma nevoa branca em um dos olhos e quero
fazer a cirugia e quanto custa?
Olá, Caua!
Eu pessoalmente não realizo este tipo de procedimento. Recomendo que procure um médico veterinário oftalmologista na sua cidade para avaliar a sua cachorrinha e fazer um orçamento.
Melhoras para ela!
Boa noite. Dra., tenho uma cachorrinha que tem 10 anos e está com catarata na fase madura. Minha dúvida eh: após a cirurgia mesmo a vet olhando minha cachorrinha dia sim e dia não para controlar a pressão do olho, ela pode ter glaucoma? E se tiver glaucoma e ela não foi controlada teria de tirar os olhinhos dela? Estou com medo da cirurgia por conta disso.
Olá, aumiga! O risco de glaucoma existe mesmo para cães não operados, especialmente em casos de catarata madura. Mas se o vet monitorar periodicamente e for detectado glaucoma, existem colírios e medicamentos que podem ser usados para controlar esta condição. Se tratado corretamente, o risco de perder o olho é bem pequeno.