A maioria dos tutores não considera os cuidados com os dentes dos seus cães uma grande prioridade. O que eles não sabem é que a doença periodontal, que afeta aproximadamente 85% dos cães com mais de 3 anos, não causa problemas só na boca: ela também pode causar insuficiência cardíaca, renal, hepática, e artrites. E, além de tudo, não tem cura!
O que causa a doença periodontal?
A principal causa da doença periodontal é a placa bacteriana. A placa bacteriana é um aglomerado de bactérias que se adere à superfície dos dentes junto com alguns componentes da saliva. Há bactérias por toda a superfície dentária, mas o lugar predileto delas é no sulco gengival – o espaço entre o dente e a gengiva -, onde a limpeza natural pela saliva, língua, e abrasão dos alimentos duros, não é eficiente. As bactérias se organizam na forma de placa bacteriana muito rapidamente: o processo todo leva apenas 24 a 48 horas!
É para evitar a organização da placa bacteriana que nós escovamos os nossos dentes – e deveríamos escovar os dentes dos nossos cães também! Em um estudo feito com 93 cães entre 4 meses e 13 anos de idade, variando ente 0,8 e 24Kg, 100% deles (sim, TODOS eles) tinham placas bacterianas em seus dentes. As placas bacterianas podem se calcificar, formando os cálculos dentários, também conhecidos como tártaro. Enquanto a placa bacteriana é mole e amarelada, os cálculos são duros, e podem ser amarelos, marrons, ou esverdeados. A sua superfície irregular facilita o acúmulo de ainda mais placa bacteriana.
A presença de placa bacteriana no sulco gengival causa gengivite, que é a inflamação das gengivas. A gengivite pode ser curada se for feita a remoção das placas bacterianas no tempo certo. Por outro lado, se a placa não for removida, a gengivite evolui para a doença periodontal, que não tem cura. Na doença periodontal, não apenas a gengiva é afetada, mas também os ligamentos que mantêm os dentes no lugar, e o próprio osso abaixo deles.
É só um dentinho amarelinho, tem problema?
Cães com doença periodontal têm mau hálito, dor de dente, e podem até mesmo perder um ou mais dentes por conta disso. A dor pode impedir o animal de se alimentar, e, em alguns casos, torná-lo agressivo. Outro problema são as chamadas fraturas patológicas, que acontecem quando o osso onde ficam os dentes (geralmente a mandíbula, mas pode ser na maxila também) se quebra “espontaneamente”, por ter sido enfraquecido pela doença periodontal. As fraturas patológicas representam nada menos que 13% de todas as fraturas de mandíbula em cães no Brasil e causam dor e sofrimento, sendo de difícil tratamento.
Mas não é só na boca que a doença periodontal causa problemas. A inflamação das gengivas e outros tecidos ao redor dos dentes facilita a entrada de bactérias da boca na corrente sanguínea. Uma vez no sangue, as bactérias podem se depositar no coração, nos rins, no fígado e nas articulações. Um estudo apontou que, a cada cm² afetado pela doença periodontal, há 40% maior chance de alterações cardíacas e renais, e 20% a mais de chance de alterações hepáticas. Considerando que cães pequenos são mais afetados por doença periodontal e também por insuficiência cardíaca do que os grandes, é possível que haja uma forte correlação entre as duas doenças nestes animais.
Como é feito o tratamento?
O tratamento da placa bacteriana e dos cálculos dentários é essencialmente o mesmo, consistindo na remoção das placas/ cálculos por meio de raspagem ou ultrassom. Este procedimento é chamado profilaxia dentária, já que tem como objetivo a profilaxia ou prevenção da doença periodontal. No caso da doença periodontal, além da limpeza, pode ser necessário também corrigir cirurgicamente defeitos nas gengivas e nos ligamentos dentários. Dentes muito afetados podem precisar ser removidos. Algumas novas técnicas incluem o uso de membranas biológicas e até mesmo de células tronco, para tentar regenerar as lesões ósseas e de ligamentos, mas elas ainda são pouco usadas em cães (em humanos, já se usa há algum tempo). Para uma limpeza completa e prevenção da doença periodontal ou para se evitar a sua progressão, o cão deve ser submetido à anestesia geral. É considerada imperícia e imprudência fazer a profilaxia dentária em cães conscientes ou apenas sedados. A anestesia geral é necessária para evitar dor no animal, e também para permitir uma adequada manipulação da boca do cão.
Como já mencionamos, existe a possibilidade de que as bactérias da boca entrem na corrente sanguínea e afetem outros órgãos. Isso tende a acontecer ainda mais quando o animal se alimenta ou se for feita a manipulação dos dentes. Desta forma, quando se decide fazer uma profilaxia dentária em um cão, é recomendável administrar antibióticos alguns dias antes do procedimento. Tal medida irá diminuir a inflamação das gengivas (e, assim, diminuir os sangramentos durante a limpeza) e a quantidade de bactérias, para que elas não migrem tanto para o resto do corpo. Além de antibióticos, o uso de antissépticos orais também é útil para aumentar a eficácia e a própria segurança do procedimento. Ambos devem ser usados antes, durante e depois da profilaxia.
Tem como prevenir?
Para evitar que o problema ocorra – ou, no mínimo, para retardar o seu início e progressão -, é preciso escovar os dentes do cão pelo menos três vezes por semana. A escovação pode ser feita usando-se dedeiras ou escovas com cerdas macias e pasta de dentes própria para cães. Não use pasta de dentes de humanos, devido ao risco de intoxicação por flúor. Mais importante do que a pasta escolhida é o abrasão causado pelo ato da escovação regular.
Convivendo com o problema
Se o seu cão já tem doença periodontal, procure o seu médico veterinário para fazer o tratamento adequado, não deixe o problema progredir. Não se preocupe se for necessário remover um ou mais dentes, já que os cães se adaptam bem a esta condição, e muitos conseguem comer até mesmo ração seca usando apenas as gengivas (mas, se não conseguir, pode comer papinhas também). Idealmente, escove os dentes do seu cão diariamente (ou pelo menos 3 vezes por semana), e leve-o para fazer profilaxia uma vez ao ano. Se ele já estiver muito velhinho e debilitado para poder ser anestesiado, cuide com ainda mais atenção da higiene oral dele, e dê ossos (naturais) para causar maior abrasão nos dentes e ajudar a limpá-los. Existem também produtos especiais para cães feitos com enzimas que podem ser aplicados diretamente na boca ou colocados na água de beber para melhorar a limpeza dos dentes. Mas não assuma que o seu cão não pode ser anestesiado só porque é velhinho! Leia o nosso artigo sobre o assunto, e fale com o seu veterinário.
Boa TArde Dra, Meu cachorro tem 12 anos, ele é super saudavel, mas tem tartaro em estagio avançado, pois os dentes estão bem amarelos. Ainda não fiz o procedimento pois tenho muito medo da anestesia. Mas noto que algumas vezes incha e fica vermelha a gengiva. O que posso fazer?
Tem exame para saber se ele pode passar por anestesia?
Olá, Renata!
Tem sim! É o que chamamos de “avaliação pré-operatória”. Saiba mais sobre isso neste artigo aqui: https://www.meucaovelhinho.com.br/artigos/saude/cuidados-que-voce-deve-tomar-antes-de-operar-o-seu-cao-velhinho/
Doutora Bárbara,
Muito bom esse artigo, explica bem os riscos da evolução da doença periodontal.
Uma pergunta: doença periodontal pode evoluir para sopro no coração grau 4 ou não há relação?
Obrigada,
Sim, uma doença periodontal pode estar ligada à ocorrência de sopros cardíacos, embora o “grau” do sopro não tenha relação direta com a gravidade da doença.
Veja mais sobre sopros cardíacos nesse artigo: https://www.meucaovelhinho.com.br/artigos/saude/cardiologia/se-o-seu-cao-esta-tossindo-preste-atencao-ele-pode-estar-com-insuficiencia-cardiaca/
Olá, Doutora Bárbara
Agradeço pela resposta e pelo link. Perdi um cachorro de 7 anos com sopro, uma limpeza de tártaro desastrosa que acabou resultando em falta de oxigenação cerebral e MEG…
Uma dúvida: o meu cachorro menor (10 kg) tem mau hálito e um pouco de tártaro (em estágio 2 nos dentes molares), mas ao passar gel de aloe arborescens miller (um tipo de babosa), o hálito ruim acaba (estou começando a acostumá-lo a escovar os dentes). Ele inclusive gosta de mastigar o gel, como se fosse um chiclete.
Considerando o fato de que a babosa possui propriedades bactericidas, fungicidas e anti-inflamatórias, isso seria suficiente para eliminar ou neutralizar as bactérias resultantes do tártaro?
Em relação ao fio dental, ele gosta, embora eu não consiga passar direito, pois ele pensa que é uma brincadeira. Gostaria de saber se é recomendável passar ou não.
Ainda sobre a MEG: essa doença é genética? Pergunto por causa do filho e neto desse que morreu em decorrência dessa doença.
Muito obrigada novamente,
A insuficiência cardíaca tem sim um componente genético, sendo especialmente comum em cães pequenos como os poodles.
O uso de géis dentais, escovação de dentes, ou enxaguantes bucais em geral, podem ajudar a retardar o processo de formação de cálculos dentários. Mas, uma vez que a doença periodontal já esteja instalada, a única forma realmente eficaz de tratar é através da limpeza feita com o cão sob anestesia geral. Sem isso, os danos às raízes dos dentes continuam a se agravar.
Agradeço novamente por sua resposta tão esclarecedora, doutora Bárbara.
A Meningoencefalite Granulomatosa – MEG também é genética? Há alguma forma de se evitar essa doença cruel? Ela pode estar relacionada de alguma forma ao tártaro?
Obrigada,
A MEG é uma doença inflamatória, mas não infecciosa. Até o momento, as causas dessa doença são desconhecidas, mas sabe-se que não é causada por bactérias – portanto, não estaria relacionada ao problema dentário (outros tipos de meningite ou encefalite até podem ter relação, mas a MEG especificamente, não).
Ela é mais comum em cães pequenos de meia-idade, como o Poodle, Lhasa Apso, Shi Tzu e Maltês, e afeta mais as fêmeas do que os machos.
Agradeço por sua resposta, doutora Bárbara.
Não sabia que era mais comum em fêmeas. O meu era macho.
Realmente, é mais comum em fêmeas… mas machos também podem ter 😉