Os órgãos públicos de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul (MS), estão impedidos de utilizar a eutanásia como meio de controle da leishmaniose visceral nos cães do munícipio de Campo Grande. A determinação é da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) que deu provimento a agravo de instrumento interposto pela organização não governamental (ONG) Sociedade de Proteção e Bem Estar Animal – Abrigo dos Bichos.
O acórdão, baseado em jurisprudência do TRF3 e de tribunais superiores, destaca que a medida se mostra desacertada e desguarnecida da necessária razoabilidade e proporcionalidade, as quais devem pautar os atos da administração pública. A medida vai também contra dispositivos constitucionais relativos ao direito de propriedade, vedação à violação do domicílio e à pratica de crueldade contra animais, provocando desconforto e a ira da comunidade.
Para os magistrados, ao invés de utilizar da prática da extinção dos animais, o poder público deveria adotar providências para erradicar os focos (criadouros) do vetor (Lutzomyialongipalpis) da transmissão do protozoário que infecta humanos e animais. Deveria também promover pesquisas com medicamento já usado em outros países para a cura das vítimas da doença.
“Infelizmente, dos 88 países do mundo onde a doença é endêmica, o Brasil é o único que utiliza a morte dos cães como instrumento de saúde pública; ou seja, o Brasil ainda viceja numa espécie de “Idade Média” retardatária, onde a preocupação é eliminar ou afastar a vítima e não o causador da doença (“mosquito-palha”, nome científico Lutzomyialongipalpis) que espalha o protozoário Leishmania chagasi”, salientou o desembargador federal Johonsom di Salvo, relator do processo no TRF3.
A ONG protetora dos animais havia ajuizado a ação civil pública em 2008, visando impedir que a Prefeitura utilizasse a prática da eutanásia canina como meio de controle da leishmaniose visceral. A liminar foi concedida para impedir o poder público de sacrificar animais à força, porém, posteriormente, o juiz da 1ª Vara Federal de Campo Grande reconsiderou a decisão para revogá-la em parte.
O recurso chegou ao TRF3 que manteve a suspensão da eutanásia. No acórdão, proferido na quinta-feira (28/05/2015), os desembargadores decidiram pela proibição da prática na capital sul-mato-grossense, acolhendo o pedido da ONG, “evitando-se a tomada de drásticas e irreversíveis medidas de controle, sem possibilidade de reparação para os cidadãos”.
Caráter humanitário
Para o desembargador federal relator Johonsom di Salvo, a prática adotada para controlar a doença pelo poder público no município de Campo Grande ofende de modo brutal o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal. “Não tem o menor sentido humanitário a má conduta do município em submeter a holocausto os cães acometidos de leishmaniose visceral (doença infecciosa não contagiosa), sem qualquer preocupação com a tentativa de tratar dos animais doentes e menos preocupação ainda com os laços afetivos que existem entre humanos e cães, pretendendo violar o domicílio dos cidadãos sem ordem judicial para, despoticamente, apreender os animais para matá-los”.
No relatório, o magistrado questiona a eficácia do extermínio de cachorros como forma de combater a leishmaniose adotado pela Saúde Pública desde 1953. Centenas de milhares de animais já teriam sido exterminados dessa maneira e as estatísticas da contaminação canina aumentam anualmente. Para ele, há outros métodos para se lidar com a enfermidade.
“A ação do Poder Público – incompetente para evitar a proliferação do lixo onde viceja o mosquito vetor da doença – não impede que o proprietário ou um terceiro tratem do animal, o que pode ser feito com medicação relativamente barata (Alopurinol, Cetoconazol, Levamizol, Vitamina A, Zinco, Aspartato de L-arginina e Prednisona), sem que se precise recorrer a uma medicação específica para os animais (Glucantime) que no Brasil é proibida, enquanto no mundo civilizado (Espanha, França, Itália e Alemanha) está à venda para o tratamento dos animais”, argumentou.
Por fim, ele recomenda que o poder público permita que o animal seja tratado sob a supervisão e responsabilidade de médico veterinário. “Convém aduzir que os órgãos públicos não podem proibir – especialmente através de atos normativos inferiores à lei em sentido formal – que os donos dos animais e os médicos veterinários procurem tratar os animais doentes, antes de optarem pela irreversibilidade do sacrifício do animal”, concluiu.
Agravo de instrumento 0013792-50.2010.4.03.0000/MS
Fonte: Correio Forense. Acesso em 09/06/2015.
Doutora Bárbara,
Finalmente alguém resolveu ir contra essa prática absurda que ocorre no Brasil.
Eu não sabia que de 88 países onde a doença é endêmica, apenas o nosso país mata os cães que a possuem.
É uma doença que tem tratamento, mas o caminho utilizado infelizmente é o mais fácil (acabar com os cães) e não resolver o problema de forma séria, ética e justa.
Espero que essa sentença sirva de exemplo para que um projeto de lei seja criado nesse sentido, pois é algo urgente, já que muitos cães são covardemente mortos por algo que pode ser tratado.
Abraços,
Olá! Felizmente, agora já temos mais novidades neste sentido =)
O Ministério da Agricultura finalmente aprovou o uso de um medicamento usado especificamente para o tratamento da leishmaniose em cães, que já vinha sendo usado há bastante tempo em outras partes do mundo. Então, agora, o tratamento ficou muito mais fácil e menos “ilícito”.
Infelizmente, nem todos os veterinários estão por dentro da novidade ou se sentem confortáveis em tratar casos de leishmaniose, porém, é uma grande esperança para os tutores. Para quem tem um cãozinho positivo, a recomendação é procurar um vet que sabidamente tenha experiência em casos de leishmaniose.
Agradeço por sua resposta, doutora Bárbara.
Informação é tudo: se o tutor souber de tudo isso, será muito mais fácil o cachorro ser tratado com dignidade.
Vou divulgar nas minhas páginas sociais esse post!
Abraços,
Muito obrigada, fique à vontade para divulgar =)